sábado, 18 de maio de 2013

Rota de viagem

Fotografia de autoria desconhecida

Foi num voo Marabá-Brasília.

O comandante dizia o de sempre. E em duas línguas. Texto mais que conhecido pra quem ultimamente elegera manter os pés mais tempo nas nuvens do que em terra firme.

Enquanto isso pessoas de pele bem morena, cabelos lisos e pretos, procuravam seus assentos. Vinham de shorts mostrando o elástico da calcinha, de chapéu de vaqueiro, relógio tipo rolex e mochila parecida com aquelas da Company. Mistura desregrada que certamente deixariam os que costumam viajar de Ray ban, Galaxy SIII e bolsa Louis Vuitton de cabelos em pé.

Não havia desconforto daqueles em ali estarem. O incômodo era meu mesmo.

Tinha acabado de ler um belo conto de Mia Couto no qual a seguinte frase me esfaqueara: “A pessoa viaja é pra ser esperado”.

Eu não. Esse luxo nunca tive. Nem nunca esperei por ele.

Mas nem era sobre isso que queria falar...

A vontade de escrever veio mesmo após o comissário de bordo dizer um par de coisas que foram traduzidas em três línguas. Incluindo o japonês.

Ri alto.

Olhei para o lado e o senhor de mochila mirava calmamente seu relógio de pulso, enquanto acomodava seu chapéu sobre o rosto, sem despregar os olhos das nuvens pelo quadradinho da janela.

Em quê pensava?

Haveria tradução possível que o desviasse de si próprio? Haveria alguém esperando por ele lá embaixo?

Seja como for, eu já o aguardava. Na verdade mais que isso: fitava-o acompanhando seu ensimesmamento de homem simples.

Em qual idioma seria possível falar com ele senão reverenciando sua poética por meio dessas parcas linhas?

P.S: ele escolheu beber coca zero e pareceu gostar do polenguinho sabor gorgonzola. Enquanto eu reparava bestamente na pronúncia da aeromoça que, de novo em duas línguas, dizia ser proibido um montão de coisas. Mas não entre elas, viajar para além da rota traçada para aquele avião.