sexta-feira, 29 de junho de 2012

Mulheres mineiras, ainda há esperança!



Foram inevitáveis as gargalhadas. Mesmo rindo de mim mesma. Admito.
A autora tem razão. Tá osso beijar na boca em BH! Namorar, então, nem se fala!!
No endereço http://armuke.blogspot.com/2009/06/homens-belo-horizontinos-aprenda-lidar.html, encontramos um texto cuja autora, Laura Corrêa, expõe, com irreverência, os motivos pelos quais os homens em BH correm, segundo ela, literalmente, das mulheres. Sejam essas mulheres feias, bonitas, magras ou gordas...
É de passar mal de rir.
Mas tentemos analisar a questão, antes que haja uma emigração em massa da velha capital mineira para qualquer outra urbe brasileira.
Fazer isso não resolverá nosso drama. Acreditem em mim!
Nostálgica, a autora diz que a mulherada atual anda aceitando qualquer coisa que aparece e que, por isso, os homens andam mal-acostumados. Que, no tempo dos avós dela, eles eram mais românticos, educados, cavalheiros... E que, hoje, são as mulheres quem pagam o motel, racham a conta de cinco reais (kkkkkkk!), levam o cara em casa, etc., etc., etc....
! Concordo com tudo! Mas o que fazer diante de tão absurda situação?
Não é pra pôr a culpa em ninguém. Mas, se, histórica e culturalmente, o homem sempre foi colocado em um lugar de superioridade, em relação à mulher, era de se esperar uma revanche pós-anos setenta, por parte deles; não? Mesmo que inconsciente.
Queimamos os soutiens e, agora, eles queimam nosso filme.
Pensemos...
Eles podem até achar o máximo que a gente os leve em casa, rache a conta, pague o motel. Toda comodidade é bem-vinda. Quem não gosta disso? Não é mesmo?!
Mas, em se tratando de relações afetivas, acho que o caminho não é bem por aí.
Foucault teorizou — e muito bem — sobre questões relativas ao poder e não precisamos ir longe pra perceber que é preciso que ele se desloque, se é que vocês me entendem...
O poder não é uma coisa e, portanto, não está localizado em um lugar fixo. Nas mãos dos homens, por exemplo. Nem das mulheres. Ele só tem sentido se funcionar, dinamicamente, por meio de um fluxo que se desloca continuamente. Uma via de mão dupla, em outros termos.
Trocando em miúdos: nenhum homem gosta de mulher “dona de si” o tempo todo.
Ser poderosa é ser capaz de negociar, o tempo todo, ironicamente, a posse desse poder. Ora o detenho, ora não... Me acompanham?
Eu sei que consigo abrir e fechar o portão da garagem pra ele colocar o carro. Mas pra que fazer isso, se o universo conspira, clama, pede, grita pra você dizer: “— Benhê!... Tô tão fraquinha...”. Rsss....
A vizinhança achará seu parceiro um gentleman, se fizer isso. E ele, que de bobo não tem nada, agarrará essa oportunidade de ter seu turno de poder em mãos e, com todas as suas forças, mesmo que esguio, empurrará o maldito portão como se nisso estivesse apostando todas as suas fichas para provar sua virilidade, educação, carinho, cavalheirismo...
Fazer isso não é nada fácil, meninas! Eu sei!Porque para muitas de nós, significaria um retrocesso, em termos históricos. Uma regressão aos tempos da mulher submissa, dependente. Sexo frágil. A completa idiota.
Mas, idiota mesmo — minhas caras — é aguentar toda essa lista de humilhações que Laura enumera muito bem e que foram criadas — admitamos! — por nós mesmas. Cabe a nós, então, extirpá-las e urgentemente.

Somos independentes, poderosas, livres pra ter ou não filhos, pra casar ou não, pra ser Amélia ou não, pra transar antes do casamento ou não, pra... Se é assim, a ascensão social, econômica e cultural da mulher, definitivamente, não deveria significar a substituição inapelável de papéis ou a troca definitiva de lugar social. Mulher que, além de mulher, poderá ser, em tempo integral, marido, pai, amante, homem, encanador, motorista, carregador de embrulhos, etc., etc., etc.... ninguém agüenta!!! Muito menos a homaiada.
Já termino.
Saídas? Existem?
Sim, meninas! Em textos publicados nos anos cinquenta, sessenta e setenta. Acreditem!
Deixem de preguiça e arregacem as manguinhas. Leiam, urgentemente, o livro Correio feminino, de Clarice Lispector. Está reunida, nessa obra, uma significativa quantidade de textos que a escritora publicou, no diário Correio da Manhã, ao longo de sua vida. A maioria deles dirigido ao público feminino daquele contexto; vale frisar.
Adianto: você se surpreenderá com a quantidade de coisas erradas que tem feito. Você entenderá, facilmente, as razões desse nosso pequeno drama existencial contemporâneo. E verá que lutar contra certas coisas dá menos resultado que manejá-las em benefício próprio.
Aí, verá que ter poder pressupõe, como premissa básica, não nos importarmos de oferecê-lo de bandeja para os homens. De vez em quando; é claro! Pra não engessar a tal dinâmica.


terça-feira, 26 de junho de 2012

Sem título

Denis Darzacq, fotógrafo francês


Dia desses estava num ponto de ônibus e, como este muito tardava em chegar, comecei a inventar pequenas tarefas mentais pra distrair meu incômodo pela espera. Não busquei refúgio em livros, palavras cruzadas ou em qualquer uma das zilhões de distraçõezinhas que os celulares nos oferecem. Foquei foi no chão mesmo.

Pra minha surpresa vi, próximo, mas paulatinamente se distanciando, uma lagarta cruzando a rua. Pensei automaticamente: eca! Eca para a gosma (verde? amarelada? Peraí, lagarta quando morre dá pra ver a cor do seu sangue?) que sairia inevitavelmente de seu corpo frágil, e tão indefeso, meu Deus! ao enfrentar as inúmeras toneladas que iam e vinham em mão-dupla pelo caminho que escolhera percorrer. Que escolhera?

Mas tinha que ser rua, santo cristo? Por que não parede, muro, teto, terreno baldio, sei lá!?

Acompanhei esperançosa pelo que suporia de conquista sua coragem de lagarta suicida, mas não menos convicta de que sua morte era certa. Definitiva naquele recorte espaço-temporal que suspendeu totalmente o meu, tão envolto que estava em seu foco besta à espera de um coletivo azul que me levaria pra não sei onde. Lugar possivelmente menos interessante que aquele para o qual fui abruptamente lançada. Na verdade, eu e a lagarta.

Metade do asfalto ficara para trás. Diante dela e para ela, quanto de caminho conseguiria ainda percorrer? E por que o fazia, praonde ia?

Diante de mim o gosto de uma esperança de inseto me fazia doer cada unidade de automóvel que avistava. Em ambas as direções.

Vontade de ir até lá, pegá-la nas mãos em concha e poupá-la do risco que ainda correria, não faltou. Mas como se cultiva amor por lagarta? Eu definitivamente não sabia. E ela, em seu reinado de andarilha camicase, sequer requeria de mim a escassa esmola de piedade dos que só enxergam o outro quando os veem em situações-drama, mote predileto dos chantagistas emocionais.

E desde quando a gente tem consciência precisa dos riscos inevitavelmente presentes nas trilhas que decidimos percorrer?

“Que destino espera os que enfrentam o desconhecido?”, aproveito a chance pra louvar Leminski. Esses os, aqui, equivalem à lagarta (que, nessa crônica continua lá, no asfalto), a mim (que sigo me lançando em caminhos mais que conhecidamente perigosos, em estradas das mais manjadas e das maisqueesburacadas) e a você... Certeza!

Mesmo assim, vacilo: quanto de novidade ou de repetição de ais, transfigurados em vestes outras, suportaria um defensor de antigas promessas?

Se o risco vale porque a alma não é pequena (menção literária das mais batidas, eu sei) e muito menos a vontade de ir além, vale muito a pena também a sorte ou, dito de outro modo, ter, de vez em quando o cu pra lua. Ah... E vale também ter, sempre em mãos, a oração de Santo Expedito para o caso de querer se meter por sendas áridas, agrestes, ágrias já conhecidas, cuja lembrança do fel se mantém presente, tal e como o ruidozinho da broca do dentista, pra não nos fazer esquecer que viver é muito perigoso sim (já sei!), mas que não arriscar deve ser ainda mais.

Especialmente porque, se a lua for boa ou o cu sortudo, o mundo pode até conspirar para que cheguemos inteiros (?) (os mesmos?) dentro da canoa (sem furos) e, com ambos os remos, na outra margem do “rio”.

Ah! Quanto à lagarta... Sim!


segunda-feira, 25 de junho de 2012

Checklist

Daniel Spoerri, artista suiço

Por ver frustrados, uma e outra vez, uma e outra vez, os sistemas que elaborara para se ver livre dos sempre recorrentes dramas vivenciados pelos que ainda insistem em amar e acabam em delegacias tentando argumentar que o notebook fora um presente, e não um furto, decidiu-se: agora vai ser tudo na base do checklist.

E que mal havia em definir previamente um par de condições? Seria menos humano agindo assim, se a única coisa que queria era simplesmente evitar os transtornos que naturalmente surgem quando o que separa dois corpos se chama abismo??? Ao menos assim não faria ninguém sofrer... Ao menos assim reduziria as possibilidades de revisitar aqueles “lugares” que transformaram sua individualidade numa inatingível utopia, quando o que sempre escutou foi que necessitaria precisamente dela pra ser autêntico, único, singular. Pra ser feliz.

A listinha serviria, nesse sentido — argumentava — tão-somente para evitar que se iludisse com essas falsas promessas que se nutrem do impossível, num terreno no qual o viável é uma realidade provisoriamente circunstancial.

Por isso, repetia para si, constantemente: “—Diferenças grotescas só se resolvem na novela das oito. E desse roteirozinho televisivo meia-boca já estou por aqui!!! Por aqui, ó!”.

1.      Estado civil?
2.      Estuda?
3.      Trabalha?
4.      Mora onde?
5.      Conversa?
6.   Idade? Mora com quem? (Note que aqui não são duas perguntas, mas apenas uma que se desdobra, inevitavelmente, em duas, ok?!)

Muitas foram as vezes em que se viu impedido de avançar já na primeira questão. Impressionava a quantidade de pessoas que fazia da situação cível um troféu que prometia “total discrição” (leia-se: ausência de afeto) e a inexistência desse turbilhão de conflitos que surgem quando nos dispomos a estar cada vez mais perto, cada vez mais presente, correndo, justamente por agir assim, o risco de pôr tudo a perder.

E foi justo num dia em que nem pensava em aplicar seu questionariozinho besta (até porque nem teve tempo, antes, de se lembrar de sua existência) que sentiu seu corpo vibrar estranhamente. E o melhor: dita vibração não se masturbava solitariamente; pulsava, ao contrário, num erótico e delicioso (oh, Deus!!!) esquema de turnos (recuos e entregas, entregas e recuos...) que tornava o elo entre os dois cada vez mais instigante, cada vez mais necessário...

... cada vez menos dependente de perguntas... simplesmente porque o silêncio (obviamente, grávido de significados) se impunha como a melodia primeira que embalava dois corpos ávidos de um desejo que transcendia (ambos sabiam disso, mesmo sem o dizer) a esfera material das coisas...

... e foi justamente por ter se esquecido do infeliz do checklist, tãããããão essencial, taaaaantas vezes utilizado e reiteradas vezes defendido, que se viu arremessado, abruptamente, a uma dimensão não tão sedutora da vida: na dimensão dos que, mesmo sangrando de desejo, precisam dar vazão ao que sentem escrevendo um texto como este, por exemplo.


sábado, 23 de junho de 2012

Perseguição



Pra quem injeta periodicamente na veia existencial o rico menu cinematográfico norteamericano, desses que se espremer sai sangue, disponível aos montes em canais abertos de TV, videolocadoras (quase sempre as frequentadas por adolescentes ociosos, maridos tele-cervejeiros e solteironas convictas) e, obviamente, nas melhores e mais concorridas bancas de camelô, conceituar o termo perseguição quase sempre leva consigo os sentidos todos, uhuuuuuuu, que a adrenalina, em doses altas, impõe à fragilidade de carne e osso da espécie humana.

Pra mim não.

Perseguir pra mim sempre esteve ligado ao sentido da autossuperação, seja da própria condição animalesca, interposta a toda santa criatura, desde seu nascimento, seja da, quase sempre imperfeita, condição socioeconômicacultural do infeliz.

Venci a segunda, não com pouco esforço. Bem sabem disso os doutores filhos de faxineiras cuja existência não foi vestida, como a de tantos outros, com pagãozinho na cor certa, presenteado, claro, pela sogra feliz e satisfeita com o andar da carruagem social que, graças a Deus, seguiu seu curso tranquilamente. Tudo perfeitamente comprovável, my darling, em quase um tera de registros fotográficos. Se quiser, mando cópia.

Quanto à primeira..., infelizmente, não basta se esquivar, se calar (saída que dói de ambos os lados), enfrentar, se explicar, se desculpar, tentar esclarecer os mal-entendidos (propositais ou não, não importa)... ou se esforçar pra mostrar que não há nenhuma disputa: nem de grana, status ou posição social. Porque sempre pairará a tenebrosa sombra do “certeza que há algo por trás disso”, “aposto que essazinha ou essezinho está aprontando algo”, blá, blá, blá...

Mas e se eu decidisse, toda vez que alguém QUISERPORQUEQUISER assistir a filmes daquele tipo, perseguir borboletas, daquelas azuis de asas grandes?

Perpetuaria para sempre meu estágio na gozosa condição de criança que desrazoa?

Sim!

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Vacilo

Frida Kahlo, artista mexicana

Dor ambígua.

Dor pela entrega impensada.


Mas se racionaliza entregas?

Dor pelo amor que queria crescer e foi amputado pela ingratidão. Pelo desrespeito.

Então para quê o ser-foice que afiafacaemparalelepípedo fica perto de algo tão delicado, tão pólen, tão coração? Para assassiná-lo?

E no ritmo desse gotejar insano, encontrar razões (diárias, meu Deus!) pra continuar existindo. Em sociedade, claro! Porque se o mundo fosse habitado somente por plantas, ursos de pelúcia e animais, tava tudo certo. Melhor, muito provavelmente.

Dói a sensação de vazio, lugar onde havia braços estendidos, entrega generosa, vontade de comunhão diária. Dessa que quer cafuné, afago, afeto como religião.

Dói. Mas dizem que passa.

Mas quando? Se essa dor não é coisa. Se é percepção-sensitiva que lateja em leves prestações. Parceladas, para alguns, em 30, 60 e 90; para outros, no entanto, em lentos, mas nem tão suaves, anos. A fio.

Abra as janelas! Deixe o ar circular...

Feito! E agora?

Talvez por isso mesmo não adianta muito se mudar, viajar, cortar o cabelo, trocar o carro... Só dá pra fazer frente a “isso” (se nomeio, me amaldiçoo?) com injeções continuadas de amizade, família e outros seres vivos dispostos a amar incondicionalmente. Isto é, que se disponham a correr o risco de serem, inclusive, as próximas vítimas.


Mas em termos de amor, de dor, de amar, de se dar e querer... e doer...há vítimas?

Vacilo.


“Esquecer é melhor que lembrar?”


Instinto

Pierre Matter, artista francês

Foi numa manhã de um dia útil que estive diante dos olhos mais tristes que até então tinha conhecido.

Doeu de olhar, apesar de não parecerem se importar muito com sua própria dor. Patrimoniada que estava na superfície de sua alma. Dificilmente intransferível, no entanto.

Perguntei ao homem que os acompanhavam:

_ O que (ele?) tem?
_ Ela. É ela... _ me corrigiu.
_ Depressão.
_ Como assim “depressão”? _ me surpreendi.

Uma sucessão de perguntas e respostas foi se aglutinando em torno daquilo que para mim não podia ser real. Por isso insisti. Por isso dei um pause no meu percurso para dar uma chance pra mim. Não podia explicar direito, mas conseguia me perceber melhor como ser humano ouvindo o homem contar a rotina daquela criaturinha.

Tristeza. Choros.  Diários... Ininterruptos, contava. Rotina insuportável para a família que, à despeito das várias orientações médicas de que o que ela de fato precisava era companhia de carne e osso, decidira providenciar um bichinho de pelúcia que ela, em sua carência presidiária, adotara como seu filhinho. Um dó de ver, me relatava.

_ Mas por quê isso, santo Deus? Por quê? _ perguntava com uma indignação que não fazia questão alguma de controlar.

Não, não a deixavam. Precisavam, antes, encontrar um parceiro do seu nível. Do contrário nada poderia ser feito e ela continuaria na companhia cuidadosa do homem que me relatava o caso e que a levava para passear, vez ou outra, pelas ruas do bairro. Um jeito besta de despistar sua infelicidade.

Depois de um tempo o silêncio se instaurou de vez entre nós três. Única saída digna para aquela história...talvez a de tantos outros seres... Daquela rua? Da cidade? Minha? Sua?

Retomei meu caminho e me despedi. Mas antes que me afastasse demais, olhei pra trás pra ver se ela ao menos latiria. Que fosse de tristeza. Paciência!!! _ pensei. Mas um latido que provasse que ainda guardava dentro de si desejo de viver, de amar, de se doar... À sua prole. À seu macho. Além de a mim, que recebia dela, gratuitamente, tanta, mas tanta vontade viver.

Mas foi seu treinador quem me olhou. Com olhos impotentes, embora convictos de que sem amor o fim daquela cachorrinha não seria outro que a morte.

Pisquei os olhos e me lembrei, num flash instantâneo, da quantidade de vezes que, na minha infância, vira casais de cachorros cruzando pelas ruas. Sem dar bola pra hora, lugar, tamanho, raça, pedigree e baldes de água fria de vizinhas mal-amadas, mas apenas pra essa coisa, muitas vezes incontrolável, chamada instinto.


terça-feira, 19 de junho de 2012

Sarjeta já!





Depois da semeadura, o descanso.

Depois do fruto, ainda que morto, prematuro, o sossego.

Mas sei da relatividade desses jargões, já que a roda viva da vida quase nunca nos permite o respiro improdutivo, infértil. O que encara o “pernas pro ar” como afronta. Caso de polícia.

Quero a pachorra dos bêbados. Dos bêbados que se importam muito pouco com o amanhã, o onde, o como e o porquê, já que são amigos da sarjeta. E nela, onde quase ninguém gostaria de estar, encontram guarida.

E sem concorrência.

O que é melhor e descansa ainda mais.


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Manchinha verde




Que serventia tem “ser assim como sou” ou “me aceitar” se nem sei, ao menos, quem sou?
Devo saber?
Sucumbiria, se soubesse?
Certeza há: é preciso evitar esse ser provisório que somos, a maior parte do tempo. Porque, senão, ninguém agüentaria ficar perto da gente. Acho que nem nós mesmos.
Já notou como, às vezes, a gente se dói às avessas? Sem sangue, lágrimas, gemidos, dores... Sintoma interno, embora não menos perceptível que os demais.
Por que é mesmo preciso ter marcas pra que a nossa dor seja reconhecível, aceita, tolerada?
Outro dia me deparei com uma mancha verde-roxeada perto dos olhos de uma jovem caixa de supermercado. Meu silêncio, por estar diante dessa, que era, pra mim, a marca definitiva e incontestável de uma agressão, entregava à moça minha angústia. Solidarizava-me com ela em silêncio, o que tornava a mancha ainda mais perversa. Ainda mais descarada. Pra mim.
Na segunda vez em que me deparei com a moça, dias depois, pensei: Ah, não! De novo?! Já é demais!!! E disse, com delicadeza de pétala de violeta: “—Seu machucado ainda não curou; né, fulana?!” (Eu tinha olhado o crachá dela e disse, carinhosamente, seu nome.). E com o mesmo olhar distante e triste, o mesmo com o qual me olhou na primeira vez em que nos vimos, ela disse: “—É de nascença...”.  Olhei, de novo, a foto dela no crachá. Agora, com a devida atenção. E vi que a mancha verde-roxeada estava lá. Definitiva.
Saí manchada. Por dentro. Me sentindo besta por acumular essa infinidade de certezazinhas que vão me definindo, me definhando, me afastando das coisas...
No momento mesmo em que acho que sou, vou deixando de ser e me transfiguro, sem querer, mas consciente de que isso é necessário (por Deus!), nessa coisa disforme chamada “pessoa”. Centrada, coerente. Insuportavelmente previsível.
Queria que alguém tirasse uma foto dessas manchinhas que tenho aqui dentro. Pusesse-as num crachazinho e justificasse pro mundo (ao menos pra ele me deixar em paz) que meu comportamento tem razão de ser. E que nem sempre é o que eles, pretensiosamente, pensam que é. Porque, nem sempre, é o que eu mesma penso que é...
Mas há vozes que se regozijam por minha altivez, segurança, independência, desprendimento. E me sinto, efemeramente, rainha de um reino com muitos súditos. E vou acreditando, ingenuamente, nessa historinha de ser dona de mim...
Nas mesmíssimas horas em que, absurdamente (eu sei!), mais me afasto de mim. Ocasiões nas quais todo movimento meu é executado com precisão de cirurgião que, a despeito da perícia, fica de olho na maquininha que dita, imperiosa, sua próxima ação.

Mas eu nem sempre consigo ser feliz nesse reino.
Mas eu nem sempre sei o que dizer, ainda que haja algo querendo sair daqui de dentro. 
E quando digo, porque é preciso, porque senão engaiolam a gente nesse lugarzinho cômodo da complexidade, da incompreensão, da loucura... vou matando, aos poucos, o melhor que há em mim.
Tenho mesmo que (me) fazer sentido? 



sábado, 16 de junho de 2012

De um ponto a outro

Magritte, artista belga

Há um senhor que mora próximo da minha casa (não sei bem onde), de uns 70 anos, talvez. A primeira vez que o vi, vivi momentos de pânico.
Como aquilo era possível? — Pensei.
Para se deslocar 10 metros, da porta do sacolão, por exemplo, até a esquina da avenida, ele levava de 10 a 15 minutos, aproximadamente.
Seus pés, muito pequenos e frágeis, calçados sempre com umas Havaianas brancas, de tiras azuis (impossível esquecê-las), revelavam tendões que se alongavam no limite do suportável, para ele. E do insuportável, para mim.
Mas ele prosseguia... Vacilante, na minha opinião; possivelmente altivo, na dele.
Em que pensaria? No local de onde tinha partido? No lugar onde deveria chegar? Em pontos fixos, metas de curto, médio ou longo prazo?

Não, não creio. Suspeito que seja na incomensurável felicidade de poder usar seu corpo, sem o desconfortável apoio de muletas, cadeiras de roda, bengalas ou mesmo da caridade descartável dos que, como eu, sempre têm pressa.

Participando de uma oficina sobre performance, hoje à tarde, nos propuseram um exercício de resistência e paciência corporal: ser o velhinho, meu vizinho, trocando em miúdos. Deveríamos nos deslocar entre dois pontos de uma sala o mais lentamente possível, na ida, e ainda mais lentamente, na volta.
Antes de iniciar a tal experiência, nos foi dito que aquilo, provavelmente, seria, para nós, insuportável, doloroso, difícil...
E foi. Muito menos do que eu imaginava, mas suficientemente produtivo para eu concluir que o que difere minha ação da que executa diariamente meu vizinho se resume em um único termo: RAZÃO.
Qual motivo me impulsionaria a me deslocar naquele ritmo? Para experenciar uma temporalidade distinta da que imponho, cotidianamente, a meu corpo e dizer: “legal!!”??
Talvez...
Bom mesmo seria se pudéssemos observar aquele meu vizinho caminhando. Ao menos uma vez por semana. Não para ter referências de movimentos, cara e bocas de alguém que lida, de um modo singular, com o corpo, o tempo e o espaço, mas para tangenciar, mesmo que de modo contemplativo e efêmero, o doloroso lugar daqueles que estarão, para sempre, submetidos a uma única maneira de se deslocar fisicamente de um ponto a outro.

Confissão

Edward Munch, pintor noruguês

Não! Não sinto sua falta.

Sua presença não me é mais uma necessidade. Na verdade, nunca foi, muito menos agora.

Nunca houve um momento sequer no qual precisei evocá-la, exigi-la...

Não há falta alguma, mesmo em meio a outras tantas, às quais rendemos culto, especialmente em dias de festas, de alegria desbordante, quando o corpo se impõe como uma presença irremediavelmente sufocante.

A falta.

A despeito do desamor — esse contra o qual nada se pode fazer — é preciso deixar(-se) ir do mesmo modo que, antes, sem prefixos, surgiu: ao gosto, irônico, do acaso.

Não, não há razão que justifique senti-la! Mesmo sentindo muito e tudo e tanto...

Talvez, contudo, vacilo: mais ou menos que antes?

Sua?

Sinto.

Sim!

Sinto muito.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Rodízio de carnes (ou a carne é fraca)


Paz Errazuriz, fotógrafa chilena


Já notaram como ficamos (os que gostam de comer carne, obviamente) animados em um rodízio? A possibilidade de comer de tudo, na quantidade que quisermos, nos imbui de um delicioso poder; não é mesmo?
Aí vem o garçom ou os garçons (no plural, melhor dito, porque são tantos quanto a variedade das “iguarias” que nos oferecem ou que dizem que nos oferecerão) e nos perguntam, sem cessar: “Aceita?” “Aceita?” “Aceita?”.
— Sim, por favor!
— Sim. Obrigado(a).
— Sim.
— Bom... sim...
— Tá...Quero!
— Mmmmm....
— Não...
— Nossa! Acho que não...
— Sim. Mas só um pouco.
— Não.
— Sim.
— ....

E já notaram que a frequência com que eles passam por nossas mesas só aumenta quando nossos sins dão lugar, por indisponibilidade de espaço em nossos estômagos, aos nãos??? Será por quê?
E já perceberam que, logo no início da festança, prática recorrente em muitos lugares, antes mesmo que os personagens mais esperados (picanhas, cordeiros, filet mignons) entrem em cena, vêm eles e colocam, rapidamente, sobre a mesa (sem sequer nos consultar!!!) travessas de arroz, farofa, banana e tropeiro? Por qual razão? Já pensaram nisso?

É...

Liberdade de escolha talvez resida mais em saber o que comer, entre desfiles de opções (linguicinhas, rãs, coraçãozinho...), que degustar tudo sem critério e, no final, não sobrar disposição pra comer a tão esperada picanha.

Talvez, pra aproveitar, de verdade, um rodízio seja necessário, antes, saber diferenciar entre o que realmente vale a pena comer do que deva ser sistematicamente rejeitado. Porque, senão, entre uma banana nadando na gordura e uma travessinha de feijão com farinha de mandioca, o que seria um maravilhoso rodízio de carnes nobres pode se converter em um suspeitíssimo churrasquinho de esquina de rodoviária.