Guilherme Kneipp, fotógrafo brasileiro
Infinitos são os momentos para um
contato profundo consigo mesmo, ainda que raros sejamos os que estejamos, ao
menos vez ou outra, alertas para esse contato. Revelador, quase sempre.
Entre os que pertencem ao grupo
dos distraídos, embora se creiam, antes, prevenidos, estão os que compram capas
de chuva.
Sei que água molha, pedra dura,
essas coisas. Mas e quanto aos assaltos de poesia, aos quais o cotidiano, por
exemplo, em passeios ultra planejados, nos arremetem?
Poesia também precisa de hora
marcada?
Talvez não, mas vendedores ambulantes
são mestres em obnubilar ainda mais nossa percepção da proximidade do belo.
Desvio de rota que até pode garantir alívio, embora subtraia sensações várias e
imprevisíveis decorrentes da alma que apenas vai.
No caminho, como em um programa
de auditórios, obstáculos mil: fotógrafos que vendem você em uma paisagem, cuja
beleza você nem teve chance de desfrutar; turistas afoitos em abduzir o visto em centenas de disparos fotográficos e, finalmente, o solitário vendedor de
capas de chuva. Assim, bem na única entrada de um longo corredor entre
cascatas. Entre as Cataratas do Iguaçu.
Pensei no intenso calor que fazia
e na água que refrescaria meu corpo. E pensei também no mesmo sol que secaria
ligeiro minhas roupas.
7 reais!!!! Capas de chuva! Duas
por 10. Tá acabando!
Parei de pensar antes que fosse
convencida pelo engano da proteção que possivelmente teria vestindo uma capa de
plástico.
Foquei nos rostos que vinham em
minha direção. Rostos, pernas e braços molhados. Sorrisos nacionais e estrangeiros que
transbordavam vida.
Fui. Desprotegida e atenta ao meu
gozo e ao alheio. Queria multiplicá-lo quantos fossem os sorrisos, olhos e
corpos que passassem por mim. E eu por eles. Afinal, um corredor humano entre
torrentes de água por todos os lados quase nos tornava uma só coisa: pequeninos
seres que reverenciavam estupefatos a magnitude da natureza que bela era
simplesmente por estar ali.
Mas fui precipitadamente
arrancada desse cenário por uma imagem que vinha lenta em minha direção: uma
mulher vestida de negro que sorria feliz com as gotas das cascatas que não preservavam
seu rosto árabe.
Via o negro de sua túnica cedendo
pouco a pouco à implacável umidade do entorno e vigiava, de longe, o homem que seguia vendendo proteção.
Teria ele abordado essa mulher?
Teria se sentido, ao menos como eu, agora, estúpido por defender certas
proteções quando o cálido da vida surge justamente quando estamos nus?