quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Capas de chuva

Guilherme Kneipp, fotógrafo brasileiro


Infinitos são os momentos para um contato profundo consigo mesmo, ainda que raros sejamos os que estejamos, ao menos vez ou outra, alertas para esse contato. Revelador, quase sempre.

Entre os que pertencem ao grupo dos distraídos, embora se creiam, antes, prevenidos, estão os que compram capas de chuva.

Sei que água molha, pedra dura, essas coisas. Mas e quanto aos assaltos de poesia, aos quais o cotidiano, por exemplo, em passeios ultra planejados, nos arremetem?

Poesia também precisa de hora marcada?

Talvez não, mas vendedores ambulantes são mestres em obnubilar ainda mais nossa percepção da proximidade do belo. Desvio de rota que até pode garantir alívio, embora subtraia sensações várias e imprevisíveis decorrentes da alma que apenas vai.

No caminho, como em um programa de auditórios, obstáculos mil: fotógrafos que vendem você em uma paisagem, cuja beleza você nem teve chance de desfrutar; turistas afoitos em abduzir o visto em centenas de disparos fotográficos e, finalmente, o solitário vendedor de capas de chuva. Assim, bem na única entrada de um longo corredor entre cascatas. Entre as Cataratas do Iguaçu.

Pensei no intenso calor que fazia e na água que refrescaria meu corpo. E pensei também no mesmo sol que secaria ligeiro minhas roupas.

7 reais!!!! Capas de chuva! Duas por 10. Tá acabando!

Parei de pensar antes que fosse convencida pelo engano da proteção que possivelmente teria vestindo uma capa de plástico.

Foquei nos rostos que vinham em minha direção. Rostos, pernas e braços molhados.  Sorrisos nacionais e estrangeiros que transbordavam vida.

Fui. Desprotegida e atenta ao meu gozo e ao alheio. Queria multiplicá-lo quantos fossem os sorrisos, olhos e corpos que passassem por mim. E eu por eles. Afinal, um corredor humano entre torrentes de água por todos os lados quase nos tornava uma só coisa: pequeninos seres que reverenciavam estupefatos a magnitude da natureza que bela era simplesmente por estar ali.

Mas fui precipitadamente arrancada desse cenário por uma imagem que vinha lenta em minha direção: uma mulher vestida de negro que sorria feliz com as gotas das cascatas que não preservavam seu rosto árabe.

Via o negro de sua túnica cedendo pouco a pouco à implacável umidade do entorno e vigiava, de longe, o homem que seguia vendendo proteção.

Teria ele abordado essa mulher? Teria se sentido, ao menos como eu, agora, estúpido por defender certas proteções quando o cálido da vida surge justamente quando estamos nus?

Olhando agora de longe para ela, e bem de perto para minhas mãos, braços e pernas expostos, me regozijava altiva por ter me esquivado dos argumentos do vendedor e por ter tido a sorte de ser brasileira.