domingo, 23 de dezembro de 2012

Carta aberta de Natal

Zé Rocha, fotógrafo brasileiro


Não tenho nada pra pedir não. Acho que tenho é pra fazer mesmo. Pra variar.

Mas, antes, devo agradecer. Por cada soco nos sonhos que tinha. Eles não dariam conta de germinar ao lado de tanto vômito. Perto de tanta unha arranhando quadro de escola.

Não combinava.

Sonho, desejo, afeto gostam de abrigo quente e macio. Cabelos soltos em balanço de parque, num fim de tarde de um domingo qualquer, sabe? Regaço sólido da casa da mãe, lugar onde o fogão sempre está pronto pra alimentar o ventre faminto do filho que regressa.

Mas ainda bem que peixe que tem consciência de isca, não morre pela boca.

Mas e de isca que atrai coração bolha de sabão? Dá pra escapar?

Ano doido, comprido, intenso. Janeiro e fevereiro poderiam ter sido, sozinhos, pra mim, os 365 dias do ano todo. Ano que todo mundo acreditou que se findaria no vigésimo primeiro dia do mês de dezembro.

Mas mire e veja: o mundo acaba é todo dia.

Infinidades de tragediazinhas que fariam a festa de serviços do tipo tele-afeto. Desses que a gente ligaria e pediria um X-cafuné com carinho e delicadeza que, lógico, chegaria em, no máximo, 8 minutos.

Mas não! Afeto dos bons não flui no sistema delivery. O melhor demanda tempo. Exige crença firme naquilo que não se vê.

Repare: não acreditar no improvável torna as coisas ainda mais inacessíveis.

Por isso, esse Natal vai ser diferente porque a responsa dos presentes vai ficar por minha conta mesmo. Tenho muito que celebrar a vida dessa multidão de seres que contabilizo em apenas uma de minhas mãos. Eles merecem meu lado melhor. O lado mais bonito de mim. Lado que eu mesma desconheço, mas sei que existe. Sei que existe.

Só resta saber se eles vão dar conta de esperar a hora de abrir esses presentes

domingo, 2 de dezembro de 2012

Sobre ocos e apoteoses


Edvard Munch, pintor norueguês

Então era isso? Só isso?

Mas também não tinha porquê ser muito, se o que se espera das coisas é quase sempre mais do que elas efetivamente podem nos proporcionar. Porque o muito quase sempre se encontra em algum lugar exterior a esse outro que insistimos em coisificar. O outro é apenas outro. Com suas contradições e mazelas.

Pra quê, então, apostar arco-íris no campo minado de nossos escuros existenciais?

A gente sempre machuca. Sempre se machuca.

Mas e se nos intervalos da apoteose da dor, for possível sentir a libertação desse inevitável da vida?

Rajadas de vazio se preenchem com arroz e feijão?

Não! Eu não queria gostar mais de você do que de mim. Mas admito, sem culpas, que sempre fui melhor de verbo que de ação. Eu queria mesmo era me lambuzar com as possibilidades de vida e de morte da convivência com ambos. E com toda a complexidade da vida que compusesse seus entornos. Nossos entornos. Até não mais haver limites... Até não mais haver razões para defendê-los com bambus ou arames farpados.

Eu não tinha mesmo nada pra fazer. Qualquer resto de vida, herança dos que sabem cultivar a família, a despeito de pragas diversas que muitas vezes se alojam no cotidiano, conclamando a solidão, o vazio, o egoísmo, eu defendia. Eu queria.

Aliás, o egocentrismo sempre me pareceu a forma mais estúpida de enfrentar a carência, o desamor, a desesperança, o desafeto...

Por isso uma e outra vez me perguntava: quanta responsabilidade carrega sozinho um homem que toma uma decisão por amor? E não falo de amor próprio, hein? Para os engraçadinhos de plantão, falo de amor pela alteridade. Pelo que se situa justamente fora de nós e sem o qual não somos nada além de corpos vagando, dia após dia, pela imensidão do vazio-nada de nós mesmos. Ocos preenchidos, especialmente agora que estamos em mês natalino, por aquisições cujos sentidos se esgotam antes mesmo que suas parcelas sejam liquidadas na fatura do cartão de crédito.

Mas e eu? Quando terei crédito? Quando? Quanto me darão?

Pior não é nunca ter tido nada pra dividir com alguém. Ruim mesmo é não ter outro pra compartilhar o muito que sem tem.

Dor pela sobra e não pela ausência: como se cura isso? 

Se cura isso?