Às vezes vou anotando, quase
sempre no facebook mesmo, para não
perdê-los, situações que me inquietam ou me excitam, estímulos (imagens várias
do meu cotidiano), pedaços de textos que leio e amo, que me provocam ou me
arrebatam, fragmentos engraçados de conversas que vou ouvindo pelas minhas
andanças, e que vou pescando por aí para depois costurá-los e tentar transformá-los
em exercício poético.
Tive ganas de escrever sobre brincos perdidos. Espécie de maldição da
qual sofro há anos.
O caso é que nunca perco os dois
de uma vez. Um deles sempre fica pra sublinhar a ausência do outro que, quase
nunca, aparece. Mas, como a esperança é um trem danado, acabo guardando os órfãos
numa espécie de cemitério. À espera do quê, não sei bem. O fato é que, começou
com um brinco solteiro que se transformou em presilha pra unir um pingente sem
uso a um cordão de prata. Ficou lindo. Quem o visse jamais imaginaria sua
função anterior. Jamais diria que fora um brinco.
Outro dia, por descuido meu, uma
faísca de um dos meus incensos diários voou ligeira e aterrissou em um dos
braços do meu sofá, tatuando o verde musgo de seu tecido de um circulozinho negro
impossível de remediar. O que fazer? Abri meu cemitério de bijoux e vi a aranha roxa que jazia solitária, como tantos outros,
à espera de um destino que a redimisse da solidão e da improdutividade.
Mas o quê fazer diante do
encontro, não programado, com um brinco (apenas um deles) cujo desaparecimento
mal havia sido percebido? Disposto cuidadosamente no batente de uma das janelas
da sala de um lugar no qual não se ia há quase meio ano? Não fosse por ser
pássaro emoldurado em resistente material, diria que estava ali louco pra voar
e desaparecer dos olhos de quem por ali passasse. De mim, principalmente.
Afinal, por que razão oculta se reencontrar logo comigo?
Suspirei profundamente na
tentativa, vã, de dar conta da avalanche de lembranças que começaram a pulular
freneticamente em minha cabeça: a noite de amor compulsoriamente silencioso.
Intenso. Quase clandestino. O quando preciso durante o qual devo ter
abandonado, involuntariamente, o mimo querido.
Que fazer com um brinco perdido
que se recupera sem antes tê-lo buscado? Vira apenas uma despretensiosa crônica
ou indício de que certas coisas que se distanciam de nós podem, quizá, assim
sem querer, aparecer novamente, sem pretensões maiores do que a de nos fazer
crer na chance, ainda que remota, do retorno do que um dia se quis muito. Ou,
no mínimo, se aproveitou de montão.
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