domingo, 29 de abril de 2012

Amores perros


 Gustav Klimt


Já! Confesso: chorei mais por um animal que por um ser humano.

Cheguei a me autopunir por derramar mais lágrimas pela morte de uma chiuaua que pela do meu pai.

Mas é que ela tava lá todo dia. E ele não...

Mas é que ele me deixava, às vezes, com medo. E ela, ainda que tentasse, não.

Dia desses, fazia uma caminhada e vi, de longe, um mendigo, olhando fixamente para um ponto na calçada. Fiquei curiosa. Inevitável. À medida que andava, constatei que era para um amontoado de panos que ele olhava. Achei esquisito.

Mais de perto, vi, em meio àqueles panos, a carinha de um cão. Que, de tão excessivamente embrulhado, só se podia ver um focinho úmido e dois olhinhos entregues ao cansaço.

Não resisti. E com a mesma “naturalidade” que usamos pra perguntar aos nossos amigos sobre coisas pessoais, indaguei, tentando disfarçar minha apreensão: “— O que houve?”

Pausa.

Por um segundo, cheguei a me arrepender por tamanha intromissão.

E o dono, sem desviar, um só segundo, seus olhos enfermeiros do cão, respondeu, com a melancolia mais doída que senti na vida: “— Ele tá gripado...”.

Continuei andando. Mas, dessa vez, em lágrimas e pensando nessa coisa louca que é se entregar pra alguém. Pra alguma coisa.

Olhei, ainda, um par de vezes, pra trás e o homem continuava se empenhando — como se em torno dele não houvesse carros e pessoas indo e vindo — em cuidar daquele serzinho.

Dias depois, escutei estupefata: “— Por que você não morre, cachorra?”; “— Por que você não morre logo?”

Tenho pena da poodle cinza que mora aqui ao lado. Pra quem foram dirigidas ditas perguntas. Animalzinho que, muito provavelmente, não sabe o que é ser amado. E, talvez, por isso, não possa se doar mais do que, instintivamente, tenta a diário. E inutilmente.

Tenho inveja do vira-lata do mendigo que vi na rua. A poodle, se visse aquela cena, também.

Mas é melhor mesmo que ela não saiba. Porque sua dor seria maior e mais insuportável. Porque não há maneira de ser infeliz diante de uma entrega tão total. De um amor tão bonito.

Mas há um turbilhão de sentimentos aqui dentro. E chego a desejar sua morte, antes que ofertá-los pra algo (ou alguém) que não possa perceber, sequer, sua existência.

Mas aí vem a danada da Clarice e me tira desse abismo: “Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca”.

3 comentários:

  1. Compaixão

    Doei moedas ao mendigo
    na esperança de acalmar sua dor
    (como se dor de mendigo fosse outra,
    senão, primeiro, a fome – dormir se dorme
    em qualquer chão; e se cobre
    com qualquer jornal; faça ou não,
    frio de doer os ossos – um frio de cão).

    Como se fosse outra, senão,
    a que tinha de um lado minha compaixão;
    e de outro
    minha indiferença – e minha intromissão
    (doei moedas ao mendigo
    na esperança de absolvição).

    “Olhei, ainda, um par de vezes, pra trás”

    até saír de cena
    e ser atropelado na contramão.

    Hugo Leonardo
    21h17 / 24.5.12

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  2. Respostas
    1. Porque preciso de ajuda(s)...
      e de umas palavras mais agudas.

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