domingo, 15 de abril de 2012

Curiosidade ou cuidado

            Goya, pintor espanhol

         Tá, tá bom! Você não perde a novela das oito, mãe! Já sei disso. E não quero concorrer com ela, porque sei que acabo perdendo mesmo. Mas preciso dizer umas coisas... Coisas importantes; sabe?
           Na verdade, é uma pergunta. Simples, como simples é o amor que tenho por você: — Quando é que olhará pra mim, quando eu estiver falando com você?
          — Sabe o que é que é? É que preciso interagir com a sua retina. Com o brilho, amargo ou terno, que ela emite. Isso é essencial pra eu complementar as interpretações que faço das coisas que você diz.
          Unir o tom da sua voz, a textura, a cor e a disposição das marcas do seu rosto àquilo que sai de sua boca é, pra mim, uma espécie de experiência transcendental.
Aliás, acho mesmo que, no final das contas, me lembro mais de todas essas coisas impalpáveis, do que daquilo que sai, verbalmente, de seus lábios.
Mas fiquei chocada com o que você me disse outro dia. Não vou negar, ainda admitindo que sua argumentação seja coerente:
“— Mãe, você está me escutando?”
“— Eu escuto com os ouvidos, e não com os olhos, menina! Vê se não enche!
Mal pude esconder minha decepção, diante de tão dura verdade. Olhos veem e ouvidos escutam. Mas de onde vem, então, esse papo furado de escutar com o coração? De sentir com a alma, de falar com o olhar?
Tudo bem! Não vou te encher — pensei. Até porque forçar demonstrações de afeto dos outros em relação a nós não nos deixa assim tão plenos, né?! Trata-se, na verdade, de uma sensação efêmera de carinho que se dissipa tão rapidamente quanto a velocidade da expressão desse sentimento.

Mas, aí, o choque:
— Bom dia! Por favor, gostaria de falar com uma pessoa chamada Carmem.
— Você é a Juliana?
— Sssim. Ssssou. Uai!... Como você sabe meu nome?
— Sabia que você chegaria.
Mmmmm... Que sensação boa!

No dia seguinte, outra surpresa:

Cenário: Televisão ligada em um cômodo próximo ao da portaria.
Personagem: Diferente do que me recebeu no dia em que cheguei.
Ação: Ao descer as escadas de madeira, delatei minha presença.
            — Boa noite! Que frio, hein?! Credo!
            — Tá brabo mesmo!

            Silêncio.

— Oi mãe! Sou eu. Como vão as coisas?
— Blá, blá...
— Blá, blá...

E ele lá, no mesmo cômodo que eu. Olhando pra tevê, que estava em outro. Bem longe, até. Pra se escutar e pra se ver.
Mas, ainda que seus olhos estivessem atentos à tela, sabia que ele estava, mesmo, era prestando atenção na minha conversa. Certeza!
E que ironia! Prestando atenção justo numa conversa minha com minha mãe....

Curiosidade de porteiro, ainda mais de interior, é engraçada, pensei sorrindo mentalmente.

        Que nome dar à atenção dispensada por um estranho à minha pessoa? Que sentimento move o interesse que alguém, que nunca te viu, terá por você, pelo que você diz?
           Porque, após a chamada, ficamos proseando sobre ouvidos que doem, frio danado... E ele, então, me disse: “— Vai lá! É aqui ao lado! Eles te atendem rapidinho e te dão um remédio pra dor. Você não disse que vai ficar estudando agora de noite? Então, passa lá!

A constatação definitiva: ele estava, mesmo, escutando minha conversa ao telefone.

Mas escutava com o coração.

E essa certeza ainda não me tinha sido revelada.

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