sábado, 16 de junho de 2012

De um ponto a outro

Magritte, artista belga

Há um senhor que mora próximo da minha casa (não sei bem onde), de uns 70 anos, talvez. A primeira vez que o vi, vivi momentos de pânico.
Como aquilo era possível? — Pensei.
Para se deslocar 10 metros, da porta do sacolão, por exemplo, até a esquina da avenida, ele levava de 10 a 15 minutos, aproximadamente.
Seus pés, muito pequenos e frágeis, calçados sempre com umas Havaianas brancas, de tiras azuis (impossível esquecê-las), revelavam tendões que se alongavam no limite do suportável, para ele. E do insuportável, para mim.
Mas ele prosseguia... Vacilante, na minha opinião; possivelmente altivo, na dele.
Em que pensaria? No local de onde tinha partido? No lugar onde deveria chegar? Em pontos fixos, metas de curto, médio ou longo prazo?

Não, não creio. Suspeito que seja na incomensurável felicidade de poder usar seu corpo, sem o desconfortável apoio de muletas, cadeiras de roda, bengalas ou mesmo da caridade descartável dos que, como eu, sempre têm pressa.

Participando de uma oficina sobre performance, hoje à tarde, nos propuseram um exercício de resistência e paciência corporal: ser o velhinho, meu vizinho, trocando em miúdos. Deveríamos nos deslocar entre dois pontos de uma sala o mais lentamente possível, na ida, e ainda mais lentamente, na volta.
Antes de iniciar a tal experiência, nos foi dito que aquilo, provavelmente, seria, para nós, insuportável, doloroso, difícil...
E foi. Muito menos do que eu imaginava, mas suficientemente produtivo para eu concluir que o que difere minha ação da que executa diariamente meu vizinho se resume em um único termo: RAZÃO.
Qual motivo me impulsionaria a me deslocar naquele ritmo? Para experenciar uma temporalidade distinta da que imponho, cotidianamente, a meu corpo e dizer: “legal!!”??
Talvez...
Bom mesmo seria se pudéssemos observar aquele meu vizinho caminhando. Ao menos uma vez por semana. Não para ter referências de movimentos, cara e bocas de alguém que lida, de um modo singular, com o corpo, o tempo e o espaço, mas para tangenciar, mesmo que de modo contemplativo e efêmero, o doloroso lugar daqueles que estarão, para sempre, submetidos a uma única maneira de se deslocar fisicamente de um ponto a outro.

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