Foto de Sebastião Salgado, fotógrafo brasileiro
Não
pôde respirar profundamente, de delírio ou terror, porque tudo acontecia à sua
volta rápido demais para ter tempo de identificar, compreender e decidir-se. Ou
tomar partido, politicamente falando.
Era
capaz, no entanto, em meio ao turbilhão de infinitos mundos de sonhos,
narrativas de pavor e amor ao seu redor, identificar um zilhão de detalhes que
impedia que sua existência despencasse nas garras do desamor e da inexperiência
(ou seria medo?) dos seres à comunhão que não reparte apenas pães, mas
consideração e respeito.
Observou
entre o trânsito caótico do centro da cidade a moça negra que ia de salto
bicolor (preto e branco) de pelica. Usava short estampado florido, blusa de
alcinha verde com as alças do sutiã preto à mostra.
Fui
incapaz de reagir pautada numa lista de regras ou padrões estéticos. Via ali
uma rainha que se equilibrava cuidadosamente em seus sapatos novos entre pedras
de um calçamento que outrora foi passarela para o açoite diário de seus
antepassados. A mesma cautela que talvez levava o vagalume a brilhar modesto em
meio às dezenas de luzezinhas que enfeitavam tantas e tantas casas naquele
Natal, ainda que entorno de si houvesse a necessária escuridão para fazer
imperar seu brilho.
Mas
eu e ela (ele, talvez) sabíamos que não era hora. E que ela viria quando
tivesse que vir. Sem explicações. Do mesmo modo que, também sem explicações,
emudeceria.
Visceral.
ResponderExcluirQue bom que gostou!
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