quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Felicidade como projeto



Certeza havia quanto a deter um par de coisas pra conseguir fazer outras tantas. De reunir uma e outra condição para se aventurar a romper a tal cerquinha que divide os bons dos bois. Dos bois de carga, diga-se de passagem.
 Por isso, reconhecia a necessidade diária de perpetrar uma desconstrução, como projeto permanente, de uma série de hábitos (inclusive quando se sentava à mesa, com alguns amigos, para compartilhar um simples almoço de segunda-feira).
Um cactus no meio de um resto de Mata Atlântica (mesmo que irrisória e escassa em sua exuberância tropical) podia ser uma piada de mau gosto. E o que menos desejava era que essa diferença fosse entendida como algo fora de tom. Tinha clareza das diferenças e não queria tomar isso como um discurso vitimista pra se justificar. Pra ser considerada.
Por isso, resolveu, propositalmente, superdimensionalizar sua rotina. E tomar a felicidade como projeto. Observava tudo como uma criança que recém descobre que as coisas têm nome. E se esforçava, mesmo que parecesse pueril, para aprender, para conhecer. Não se importando nem um pouco em confessar, por vezes: “Não, não sei o que é”, “Não, não conheço não”...
E se estivesse ao lado de alguém que se dispusesse a explicar, a dividir, a sair, ao menos momentaneamente, desse lugar adocicado dos que sabem mais, conhecem mais, viram e sentiram mais? Seria tão bom! Tão bom!!!
Por isso, vez ou outra, soltava: “Me aplica?” “Me ensina?” “Compartilha comigo?”.
— Mas o quê?
— O quê? Uma música que você goste muito. Um filme bonito. Um texto ou uma sensação que não sei se poderia vivenciar se você não estivesse aqui. Se, nas minhas andanças, não me deparasse com você; entende?
E, mesmo que a lógica seja pautada na filosofia capitalista do toma-lá-dá-cá, eu me viraria. Trocaria esse seu desprendimento quixotesco de me hospedar em seu apartamento por alguns dias em minha casa, por uns CDs interessantes que outro, outrora, me oferecera — nem sei bem porquê —, pela minha admiração e amizade, pelo... pela... por nós, assim, mais perto, mais... Acompanha? Cantando juntas uma canção dos Los Hermanos ou curtindo, sem nada nas veias, além de uma sensibilidade pulsante, um céu arreganhadamente estrelado, numa cidadezinha do cerrado mineiro.
 Trocaria, por exemplo, alguns desses seus filmes (dezenas deles sobre os quais nunca ouvi falar) por uma paella de costelinha de porco que sei fazer. O que me permitiria trocar definitivamente esse lance estéril (espinha de peixe na garganta) que me obrigava, vez ou outra, a ter que agendar uma cerveja com dois meses de antecedência. A amar com hora marcada.
Trocaria você por mim, por uns instantes, só para que eu tivesse a chance de ser mais, de ver mais, de sentir mais, de (me) perceber cada vez melhor. No tempo exato para que deixemos de ser o que somos, sozinhos, para sermos um nós pluralizado de alteridade. E, alimentando esse outro, modificarmos o nosso próprio eu e esse nosso efêmero estar no mundo.
Topa?

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