domingo, 5 de fevereiro de 2012

Lêndeas e cafunés



Uma das boas lembranças que tenho de minha infância tem a ver com a hora que chegava da escola e minha mãe, com suas unhas grandes e, quase sempre vermelhas, me fazia deitar a cabeça em seu colo e, com um pano branco, catava meus piolhos.
Seu sangue é doce, menina. Nunca vi igual! Por mais que eu cuide, por mais que vá com os cabelos presos e limpos, você sempre chega em casa infestada deles. Uma praga!
Inclino a cabeça só de me lembrar.
Mas ela gostava que eu os pegasse e, dizendo honestamente, eu também. Revendo a cena do filme O Fabuloso destino de Amélie Poullain, de Jean Pierre-Jeaunet, na qual o coração da protagonista, quando criança, sempre se acelerava de emoção quando seu pai, que era médico e com quem quase nunca tinha contatos físicos, checava seus batimentos cardíacos. A personagem, ávida por um lance, ainda que estetoscópico, de contato paterno, não podia se conter. Seu corpo se alterava.
Minha mãe, nessa mesma época, nos pagava dez centavos por cada fio de cabelo branco seu que arrancávamos. Minha irmã e eu, obviamente, só pensávamos no dinheiro e o que podíamos fazer com ele. Ela, nas delícias do cafuné comprado.
No filme de Nelson Peireira, Vidas Secas, em meio a tanta miséria, pobreza e fome, não pude deixar de relembrar a sensação das mãos de minha mãe tateando minha cabeça em busca de lêndeas. A cena da esposa de Fabiano catando piolhos em um de seus filhos, para além do asco que essa ação poderia pressupor no espectador, transmite uma dimensão absurdamente poética do encontro. Do toque. Do carinho que preenche tudo, que acalma e suspende a dor.
Solto meus cabelos ao recordar.
Hoje, aos 68 anos, seu pretexto mudou: cravinhos no rosto. Eu, aos 34, vou variando entre pedir que ela arranque os fios brancos que começam a aparecer nos meus cabelos, que faça banho de creme pra hidratar os fios ou, ainda, sendo mais direta, lhe pedindo:
_ Mãe, faz cafuné?
Mas o que eu queria mesmo, pra ser sincera, era a voltar à época das lêndeas! Carinho diário, sem direito à reclamação.
Tempos bons!

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