sábado, 24 de março de 2012

Amoras maduras

Banksy, artista inglês

Caramba! Um pé de amora! — disse, em voz alta e com os olhos vidrados no que, para ela, era mais do que um retorno às lembranças de sua infância.

Mas também se lembrou do risco que envolveria lançar-se... Foi inevitável recordar os conselhos da mãe que mencionava, uma e outra vez, sobre os perigos. Manchas que não sairiam das roupas e o castigo certeiro por não tomar cuidado.

Sim, havia perigo. Compreendia bem. Mas desistir não era tão simples. Não se tratava de uma fruta, apenas. Era um chamado. Quase uma intimação.

Experimente ficar incólume diante de um pé de amoras maduras. Experimente não se esquivar diante dessa fragilidade negra que, de tão intensa, captura nossa atenção, a ponto de nos fazer esquecer qualquer risco — pensava, também em voz alta.

Reuniu um pote delas e, a despeito da mancha no vestido, sorria satisfeita com o pequeno troféu que reunira em suas mãos, a custas de galhas esticadas e quebradas e da  perda de outras tantas amoras que despencaram, inevitavelmente, no chão. Uma à milanesa repugnante. Tesouro agora vulnerável, e não mais desejado.

Por um momento ínfimo, pensou em si e nas tantas vezes que desejou. Nas tantas vezes que evitou se manchar. Nas inúmeras ocasiões em que, mesmo se lançando e esticando braços, mãos e sonhos, só conseguira estar cada vez mais distante do objeto do seu querer.

Mas, no caminho de volta à sua casa, o inevitável: metade do pote, após um movimento não-calculado, se viu espalhado entre os bancos do automóvel novo.

Recolhendo-as com cuidado e com um silêncio piedoso, ouviu do filho pequeno: — Não tem problema não, mamãe. A culpa não foi sua. Sabe de quem foi? Da dona do pé de amora.

Rindo contidamente, continuou limpando as manchas espalhadas pelo chão, apertando, com força, os lábios, na tentativa de recuperar o sabor da última amora que esteve em sua boca.

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