sexta-feira, 6 de julho de 2012

Oferendas

Pablo Picasso, pintor espanhol

Queria que fosse eu quem sentisse essa dor, minha filha. Mas não posso! Por Deus, não posso! E é horrível vê-la sofrer assim, sem que nada, ou quase nada possa fazer pra remediá-la, diminuí-la. Mas te ofereço... Deixa ver o que posso oferecer...

Quase sempre que pensamos em ofertas, presentes, mimos, pensamos em coisas. Objetos. Com tamanho, volume, peso e, claro, preço!

Quanto maior a caixa, maior o apreço? Quanto mais bonita a embalagem maior a consideração?

Damos voltas em torno do que parece não ter resposta: O que posso lhe dar? O que será que ele(a) ainda não tem? Algo assim inesquecível, impactante... Único. Sabe?

Não, não sei não.

Na verdade suspeito muito, sabe?

É que o gato de gesso, outrora fofo demais, especial e único, sem nenhuma sombra de dúvida, exigia cuidados vigilantes pra que a patinha esquerda ficasse na posição certa, senão... Pumba! Já era! E foi. Pata quebrada, fucinho arrombado, gato no lixo.

Coisas até podem ser únicas, mas perecem.

Mas o que dizer do amigo que surge diante da porta justo na hora em que o outro a fecha definitivamente na sua cara, pra nunca mais voltar? Quanto vale a mão estendida dizendo “Você vai voltar lá sim, senhora!”?

Que dizer do gesto (que valor lhe dar?) da amiga que fica online precisamente no segundo do rombo aberto no peito por duas (três?) páginas precariamente redatadas, cujas linhas argumentam zilhões de coisas que só serão caladas pela força implacável do tempo?

Como valorar o telefonema totalmente fora de hora a partir do qual a voz materna interroga como um oráculo: o que tá acontecendo? Sei que algo está acontecendo...

Que laço de fita escolher pra luzir a palavra ou mesmo o silêncio que curam ou apaziguam a chaga de outros tantos silêncios e palavras doentes? Que se regozijam do pus que brota da alma cansada de embates inúteis que só terminam por nos reduzir à condição vazia de seres que não são capazes de se dar. De amar.

Onde guardar, senão nas infinitas dobras epidérmicas do nosso corpo, da nossa memória, o calor reconfortante da atitude do outro que, durante a noite inteirinha, pobrecito, insiste em manter nossas costas cobertas, quentinhas?

Como reproduzir a sensação diante do vaso de lírio da avó falecida que, após quinze anos de silêncio, resolve brotar? Quinze anos durante os quais foi, a despeito da preguicinha em florir, diariamente cuidado, lembrado, inclusive pelo bisneto que, ao ver finalmente brancas flores naquele vaso sem gracinha, inquire: a bisa está conosco de novo, né?

Quanto vale o calor da prece do amigo distante que ora, fervorosamente, a ponto de encher o santo saco divino, pedindo pelo amigo que sofre de uma dor criada senão por essa mania insana que temos de valorizar apenas o que está previsto no pacote CVC pra se ter uma vida feliz?

Me pauso e penso mesmo no valor da presença insubstituível desse amigo, amiga... Dessa mãe ou desse outro (quem quer que seja) que simplesmente nos quer. Bem.

E não há oferendas pré-existentes que destituam a implacável força do gesto, palavra, presença, do ato gratuito, espontâneo...  que inundam de afeto o corpo sedento do ser que abre olhos, boca, sexo, alma e coração pra comunhão diária (e desejada) com a felicidade. Gota a gota o en chorros desbordantes.

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