domingo, 22 de julho de 2012

Restos



Nada mais patético que não saber o que fazer com as sobras — pensava irresoluta.
Era inevitável se rebelar contra essa realidade. Elas sempre existiriam. Como protagonistas ou coadjuvantes; pouco importava. Sempre estariam lá. Sempre.
Mas necessidade havia de lhes dar um lugar. Um destino. Um fim. Ou um começo. Talvez.
Lixo!!! — diriam muitos de seus amigos, em coro uníssono.
Sabia, porém; ou melhor, estava convicta: as coisas não eram tão simples assim... O destino delas, de todas elas, não poderia ser só um. Só esse.
Afinal, se sentia irremediavelmente unida a elas. Mesmo que dela fossem arrancadas, voluntária ou forçosamente.
Porque, sem mim, não seriam exatamente sobras. Porque, sem elas, não poderia ser precisamente eu — dizia.
Afinal, eram tantos os tipos e de tão diversa natureza provinham elas que não, não dava pra reduzir a complexidade do universo desses resíduos — parte de sua humanidade — em um cubo fedorento de plástico, em sacolas de supermercado ou nesses quartinhos, úmidos e cheios de mofo, debaixo de escadas.
Por isso e por outras coisas, reciclava. Assim, sua relação com as sobras (pelo menos com as que irremediavelmente parariam no lixo), não se basearia estritamente nessa lógica reducionista do “elimine”. Separando-as, conseguia ver como se construía diariamente. De que medicamentos, embalagens de compras, de alimentos, de correspondências era feita. E como se tornava cada vez menos o que, nas sessões de psicanálise, dizia querer ser.
E notou que, analisando o caráter de algumas dessas sobras, poderia ter uma dimensão menos obscura de como se sentia. De como se reduzia.
O ralo, por exemplo. Durante meses, não via tantos fios de cabelo ali.
— Normal — diriam muitos. Você tem um cabeleira de dar inveja. E é mesmo necessário que alguns fios caiam, para que outros possam nascer.
Mas ela sabia que não era a diminuição das embalagens de Puran T4 em seu lixo que justificaria tantos fios se espalhando pela casa. No chão, entre roupas, no teclado do computador... Elas continuavam sendo consumidas e eliminadas na quantidade prescrita.
Não poderia ser por isso — refletia.
Aí percebeu.
Claramente.
Que eram outras sobras — ainda não eliminadas, muito menos recicladas — que fazia a produção de outras tantas, como seus fios perdidos, aumentar descontroladamente.
E se indignou.
Porque, ao contrário de outras, não poderiam ser, por meio de um generoso gesto, encaixotadas e doadas para alguma instituição de caridade.
Teria que mantê-las consigo, como essas sacolas de plástico nojentas que levam milhares de anos para se desintegrarem.
A diferença é que essas últimas, ao menos, e mesmo que tardiamente, custavam, mas tinha uma previsão mais ou menos delimitada para desaparecerem. E quanto às primeiras?
Um temor percorreu, gelidamente, sua nuca: o de ficar careca antes que isso acontecesse.

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