segunda-feira, 18 de junho de 2012

Manchinha verde




Que serventia tem “ser assim como sou” ou “me aceitar” se nem sei, ao menos, quem sou?
Devo saber?
Sucumbiria, se soubesse?
Certeza há: é preciso evitar esse ser provisório que somos, a maior parte do tempo. Porque, senão, ninguém agüentaria ficar perto da gente. Acho que nem nós mesmos.
Já notou como, às vezes, a gente se dói às avessas? Sem sangue, lágrimas, gemidos, dores... Sintoma interno, embora não menos perceptível que os demais.
Por que é mesmo preciso ter marcas pra que a nossa dor seja reconhecível, aceita, tolerada?
Outro dia me deparei com uma mancha verde-roxeada perto dos olhos de uma jovem caixa de supermercado. Meu silêncio, por estar diante dessa, que era, pra mim, a marca definitiva e incontestável de uma agressão, entregava à moça minha angústia. Solidarizava-me com ela em silêncio, o que tornava a mancha ainda mais perversa. Ainda mais descarada. Pra mim.
Na segunda vez em que me deparei com a moça, dias depois, pensei: Ah, não! De novo?! Já é demais!!! E disse, com delicadeza de pétala de violeta: “—Seu machucado ainda não curou; né, fulana?!” (Eu tinha olhado o crachá dela e disse, carinhosamente, seu nome.). E com o mesmo olhar distante e triste, o mesmo com o qual me olhou na primeira vez em que nos vimos, ela disse: “—É de nascença...”.  Olhei, de novo, a foto dela no crachá. Agora, com a devida atenção. E vi que a mancha verde-roxeada estava lá. Definitiva.
Saí manchada. Por dentro. Me sentindo besta por acumular essa infinidade de certezazinhas que vão me definindo, me definhando, me afastando das coisas...
No momento mesmo em que acho que sou, vou deixando de ser e me transfiguro, sem querer, mas consciente de que isso é necessário (por Deus!), nessa coisa disforme chamada “pessoa”. Centrada, coerente. Insuportavelmente previsível.
Queria que alguém tirasse uma foto dessas manchinhas que tenho aqui dentro. Pusesse-as num crachazinho e justificasse pro mundo (ao menos pra ele me deixar em paz) que meu comportamento tem razão de ser. E que nem sempre é o que eles, pretensiosamente, pensam que é. Porque, nem sempre, é o que eu mesma penso que é...
Mas há vozes que se regozijam por minha altivez, segurança, independência, desprendimento. E me sinto, efemeramente, rainha de um reino com muitos súditos. E vou acreditando, ingenuamente, nessa historinha de ser dona de mim...
Nas mesmíssimas horas em que, absurdamente (eu sei!), mais me afasto de mim. Ocasiões nas quais todo movimento meu é executado com precisão de cirurgião que, a despeito da perícia, fica de olho na maquininha que dita, imperiosa, sua próxima ação.

Mas eu nem sempre consigo ser feliz nesse reino.
Mas eu nem sempre sei o que dizer, ainda que haja algo querendo sair daqui de dentro. 
E quando digo, porque é preciso, porque senão engaiolam a gente nesse lugarzinho cômodo da complexidade, da incompreensão, da loucura... vou matando, aos poucos, o melhor que há em mim.
Tenho mesmo que (me) fazer sentido? 



3 comentários:

  1. Risos
    Era abismo;
    e eu caia em queda livre.
    Mas a poucos metros do chão,
    em desespero,
    me lembrei que ainda era possível construir asas.
    Aí então me contorci,
    retomei meu corpo,
    movimentei meus braços,
    rápido,
    cada vez mais rápido,
    rapidamente,
    até sair voando...
    pra longe do abismo em que eu me metera.
    Eu era agora só...
    risos!
    23h53 / 18.6.12

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  2. continuo achando que vc devia fazer um blog pra vc. rsss

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    1. Tô mais para uma capa de chuva, um chapéu Ramenzoni "pelo de lebre XXX", fabricado em outubro de 1970, um aceno de mão e um fog.

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