terça-feira, 26 de junho de 2012

Sem título

Denis Darzacq, fotógrafo francês


Dia desses estava num ponto de ônibus e, como este muito tardava em chegar, comecei a inventar pequenas tarefas mentais pra distrair meu incômodo pela espera. Não busquei refúgio em livros, palavras cruzadas ou em qualquer uma das zilhões de distraçõezinhas que os celulares nos oferecem. Foquei foi no chão mesmo.

Pra minha surpresa vi, próximo, mas paulatinamente se distanciando, uma lagarta cruzando a rua. Pensei automaticamente: eca! Eca para a gosma (verde? amarelada? Peraí, lagarta quando morre dá pra ver a cor do seu sangue?) que sairia inevitavelmente de seu corpo frágil, e tão indefeso, meu Deus! ao enfrentar as inúmeras toneladas que iam e vinham em mão-dupla pelo caminho que escolhera percorrer. Que escolhera?

Mas tinha que ser rua, santo cristo? Por que não parede, muro, teto, terreno baldio, sei lá!?

Acompanhei esperançosa pelo que suporia de conquista sua coragem de lagarta suicida, mas não menos convicta de que sua morte era certa. Definitiva naquele recorte espaço-temporal que suspendeu totalmente o meu, tão envolto que estava em seu foco besta à espera de um coletivo azul que me levaria pra não sei onde. Lugar possivelmente menos interessante que aquele para o qual fui abruptamente lançada. Na verdade, eu e a lagarta.

Metade do asfalto ficara para trás. Diante dela e para ela, quanto de caminho conseguiria ainda percorrer? E por que o fazia, praonde ia?

Diante de mim o gosto de uma esperança de inseto me fazia doer cada unidade de automóvel que avistava. Em ambas as direções.

Vontade de ir até lá, pegá-la nas mãos em concha e poupá-la do risco que ainda correria, não faltou. Mas como se cultiva amor por lagarta? Eu definitivamente não sabia. E ela, em seu reinado de andarilha camicase, sequer requeria de mim a escassa esmola de piedade dos que só enxergam o outro quando os veem em situações-drama, mote predileto dos chantagistas emocionais.

E desde quando a gente tem consciência precisa dos riscos inevitavelmente presentes nas trilhas que decidimos percorrer?

“Que destino espera os que enfrentam o desconhecido?”, aproveito a chance pra louvar Leminski. Esses os, aqui, equivalem à lagarta (que, nessa crônica continua lá, no asfalto), a mim (que sigo me lançando em caminhos mais que conhecidamente perigosos, em estradas das mais manjadas e das maisqueesburacadas) e a você... Certeza!

Mesmo assim, vacilo: quanto de novidade ou de repetição de ais, transfigurados em vestes outras, suportaria um defensor de antigas promessas?

Se o risco vale porque a alma não é pequena (menção literária das mais batidas, eu sei) e muito menos a vontade de ir além, vale muito a pena também a sorte ou, dito de outro modo, ter, de vez em quando o cu pra lua. Ah... E vale também ter, sempre em mãos, a oração de Santo Expedito para o caso de querer se meter por sendas áridas, agrestes, ágrias já conhecidas, cuja lembrança do fel se mantém presente, tal e como o ruidozinho da broca do dentista, pra não nos fazer esquecer que viver é muito perigoso sim (já sei!), mas que não arriscar deve ser ainda mais.

Especialmente porque, se a lua for boa ou o cu sortudo, o mundo pode até conspirar para que cheguemos inteiros (?) (os mesmos?) dentro da canoa (sem furos) e, com ambos os remos, na outra margem do “rio”.

Ah! Quanto à lagarta... Sim!


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