segunda-feira, 25 de junho de 2012

Checklist

Daniel Spoerri, artista suiço

Por ver frustrados, uma e outra vez, uma e outra vez, os sistemas que elaborara para se ver livre dos sempre recorrentes dramas vivenciados pelos que ainda insistem em amar e acabam em delegacias tentando argumentar que o notebook fora um presente, e não um furto, decidiu-se: agora vai ser tudo na base do checklist.

E que mal havia em definir previamente um par de condições? Seria menos humano agindo assim, se a única coisa que queria era simplesmente evitar os transtornos que naturalmente surgem quando o que separa dois corpos se chama abismo??? Ao menos assim não faria ninguém sofrer... Ao menos assim reduziria as possibilidades de revisitar aqueles “lugares” que transformaram sua individualidade numa inatingível utopia, quando o que sempre escutou foi que necessitaria precisamente dela pra ser autêntico, único, singular. Pra ser feliz.

A listinha serviria, nesse sentido — argumentava — tão-somente para evitar que se iludisse com essas falsas promessas que se nutrem do impossível, num terreno no qual o viável é uma realidade provisoriamente circunstancial.

Por isso, repetia para si, constantemente: “—Diferenças grotescas só se resolvem na novela das oito. E desse roteirozinho televisivo meia-boca já estou por aqui!!! Por aqui, ó!”.

1.      Estado civil?
2.      Estuda?
3.      Trabalha?
4.      Mora onde?
5.      Conversa?
6.   Idade? Mora com quem? (Note que aqui não são duas perguntas, mas apenas uma que se desdobra, inevitavelmente, em duas, ok?!)

Muitas foram as vezes em que se viu impedido de avançar já na primeira questão. Impressionava a quantidade de pessoas que fazia da situação cível um troféu que prometia “total discrição” (leia-se: ausência de afeto) e a inexistência desse turbilhão de conflitos que surgem quando nos dispomos a estar cada vez mais perto, cada vez mais presente, correndo, justamente por agir assim, o risco de pôr tudo a perder.

E foi justo num dia em que nem pensava em aplicar seu questionariozinho besta (até porque nem teve tempo, antes, de se lembrar de sua existência) que sentiu seu corpo vibrar estranhamente. E o melhor: dita vibração não se masturbava solitariamente; pulsava, ao contrário, num erótico e delicioso (oh, Deus!!!) esquema de turnos (recuos e entregas, entregas e recuos...) que tornava o elo entre os dois cada vez mais instigante, cada vez mais necessário...

... cada vez menos dependente de perguntas... simplesmente porque o silêncio (obviamente, grávido de significados) se impunha como a melodia primeira que embalava dois corpos ávidos de um desejo que transcendia (ambos sabiam disso, mesmo sem o dizer) a esfera material das coisas...

... e foi justamente por ter se esquecido do infeliz do checklist, tãããããão essencial, taaaaantas vezes utilizado e reiteradas vezes defendido, que se viu arremessado, abruptamente, a uma dimensão não tão sedutora da vida: na dimensão dos que, mesmo sangrando de desejo, precisam dar vazão ao que sentem escrevendo um texto como este, por exemplo.


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